quarta-feira, 3 de novembro de 2010

João Victor, entre a esperança e a indgnação?

"A retomada da infância distante,
buscando a compreensão
do meu ato de ‘ler’ o mundo particular em que me movia (...), me é absolutamente
significativa.
 Neste esforço a que me
vou entregando, recrio, e revivo,
no texto que escrevo a experiência vivida
no momento em que ainda não lia a palavra."

 Paulo Freire

João Victor (42 dias)
bisneto, neto e filho de quebradeira de babaçu
na Velha estrada do Arroz


Quando guria eu corria rua acima, rua abaixo e tomava os mais deliciosos banhos de bicas na grande igreja de São José na cidade de ladeiras, minha terra de palmeiras, na região dos mais elegantes babaçuais maranhenses: Lago da Pedra. Inesquecível terra que me viu passar a existir. Ali eu alicercei minha educação no jardim de infância da Irmã Margarida.

 Cresci magrela e tagarela ouvindo nos fins de tarde antes da missa das seis a canção de Pe Zezinho, que poetizava: “Minha vida tem sentido toda vez que eu venho aqui, e te faço meu pedido pra não se esquecer de mim” Sendo para mim fácil de entender os tão escutados versos, ao deixar a contragosto ainda em tempos de maturescência esse pedaço chão. “Palmilhando os dias, fui pensando, assim deixei meus anseios, deixei sem rancor. Meus passos ficaram chorando ali.”( Joana D Augustini)


O tempo passa. Ah! Já se passaram um bom tempo. E eu já experimentei de muitas coisas, dizíveis, e não.  Passei momentos difíceis e, na maior parte do tempo, inesquecíveis bons momentos ao lado de tantas pessoas amadas. Mudei de cidade, namorei a mesma pessoa duas vezes, amei duas pessoas ao mesmo tempo. Degustei o prazer de “dar a luz” pelo ato de parir e fazer parto cesariano. Casei, descasei. Li livros. Escutei canções inéditas, recordei velhas canções, Acreditei, deixei de acreditar, Me formei. Acertei e errei cantadas.  Vi filmes no escurinho do cinema e amei no quarto azul. Opinei, mudei de opinião. Escrevi para Joãos, escrevi ao léu. Retratei, pesquisei, projetei distratei, Corri mundo, retornei.

 

E, volto hoje onde deixei meus passos. Há um mapa dos meus passos nos pedaços que eu deixei” (Engenheiros do Hawai) Os babaçuais. (dessa vez na Estrada do Arroz) A retomada, dos dias longínquos e saudosistas de minha infância, se faz. Indiferente a meu querer ou não. Em frações de segundos, revisito minha cartografia social e emocional. Prontamente meu tempo de menina arteira magrela e que adorava andar em cavalo de pau, se reconstrói pelo meu olhar, a visualizar os exuberantes cocais, (presente de Deus, a terra e as palmeiras que ninguém plantou).

 

De certo, as grandes extensões de terras cobertas de cocais de babaçus, cooperam com as quintas imensas apinhadas de vacas com chifres abissais, vacas mochas, cobras visíveis e invisíveis, lagartas, sapos assombrando quebradeiras e suas proles de cinco meninos e duas meninas, brejos para atravessar e alcançar o outro lado das cercas de arames farpados objetivando lembrar que há uma visível separação entre, nós (quebradeiras) e a terra alcançada com seus donos.

 

Em tempo menor que frações de segundo, sou avisada que tudo ali exposto,nada tinha ficado para trás junto com as décadas vividas e contabilizadas por mim. Infelizmente não se trata de um fragmento de minha memoria de infância revisada  momentaneamente. 

  

Ainda é assim que se vive em minha terra de palmeiras. Ilustrada sempre pelas linhas dos arames farpados que simbolizam  (literalmente) os conflitos entre saber a diferença sobre quais dos lados da cerca você se encontra. Ainda se fazem utópicos os babaçus livres. A paisagem romântica do cantar do macete no dilacerar do coco, se desfaz.

 

No entanto, para a continuidade e certeza de que Deus se faz presente entre homens e mulheres, nasce na velha Estrada do Arroz, no povoado centenário "Coquelândia"  - Imperatriz-MA. O pequeno João Victor, (hoje 42 dias)  pra alegrar e esperançar os dias da quebradeira de coco, MATILDE, agora avó, que canta canções de ninar enquanto vê o tempo passar misturando-se à canção do vento nas palhas de babaçus, em terras por pouco tempo emprestadas para que pequenos côfos se encham de bagos de vida.

 

Contudo, ainda se escuta dizer em alto e bom  tom “Tenho orgulho de ser Quebradeira” Mas que esse orgulho  nos faça caminhar:

Entre a indginação e a esperança na justiça, e o desejo de dias melhores para tantos Joãos nascidos nessa terra de babaçus, trancados pelas correntes sociais, pelos arames farpados que dilaceram impiedosamente nossa carne, que nos separam enquanto homens e mulheres que "valem somente e só o que tem"

Retomo meus passos, por muitas estradas. Porém indago: Alguém pode me dizer por que o meu coração chora?

 


Por uma terra sem fronteiras para todos os Joãos, possam crescer e dizer: "Essa Terra é Nossa" (Mané da Conceição)
Presença de Babaçu em texto, fotografias, desejos e desabafos.

3 comentários:

Anônimo disse...

O que se dizer e comentar??
Me ponho a perguntar.
A memória e viva e ela relata causos que só ela pode contar. Os conflitos de terra, a esperança, a morte, a luta o nascimento tudo se mistura nessa estrada que tem por nome um alimento tão importante para o maranhense, o arroz.

Lutar, lutar e lutar.

Anônimo disse...

O que se dizer???
Era o que me perguntava.
A luta pela sobrevivência passa pela memória daqueles que vivem a luta.

O que se dizer diante da morte ou do nascimento??

Lutar, lutar e lutar.

Vanusa Babaçu disse...

A esperança. É nesse esperar da vida todoa que vivem essas populações que nascem, crescem se reproduzem e transformam-se em pó da velha nos semiterios calmissímos. Onde catatumbas e palmeiras se misturam. E a esperança se renova em cada rostinho novo que chega, e com chegam.

Esperança em quem....?