segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Retratos da Repressão Política no Campo Brasil 1962 a 1985

O impacto da repressão política no meio rural
 
O impacto da repressão política no meio rural

MDA e SEDH lançam livro com histórias e narrativas de camponeses torturados, mortos e desaparecidos na época da ditadura
Mais uma importante ação no sentido de consolidar o respeito aos Direitos Humanos chega a público, em um livro que reúne informações de acervos e arquivos, além de relatos de experiências do período da ditadura militar, desta vez com o olhar voltado à memória dos trabalhadores rurais brasileiros.
Fruto de parceria entre o Ministério do Desenvolvimento Agrário e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a publicação “Retrato da repressão política no campo – Brasil 1962-1985 – Camponeses torturados, mortos e desaparecidos” lança luz a uma época de nossa história marcada por arbitrariedades, pela censura e violência. No caso do meio rural, com um agravante: além de comandada diretamente pelo Estado, pela ação das forças policiais e do exército, a repressão política no campo se caracterizou também pela ação de milícias e jagunços a mando de latifundiários.
O objetivo da publicação é, de acordo com as autoras, as antropólogas Ana Carneiro e Marta Cioccari, romper com o silêncio introjetado pelos longos anos de ditadura e dar visibilidade à repressão ocorrida no campo no período. No texto foram registradas as próprias narrativas dos trabalhadores e dos líderes que sofreram violências, assim como dos sobreviventes da repressão do aparato militar e das ações criminosas de senhores de engenho e empresas, por meio de seus capangas.
“O fato de termos dado voz aos camponeses neste livro ajuda a fornecer uma dimensão mais rica e impactante dessa página trágica da história do Brasil e a revelar, ainda que parcialmente, algo dessas memórias dolorosas não dizendo respeito aos camponeses, mas a todos os brasileiros. Devemos considerar, ainda, o fato de que essas violências no campo não desapareceram: continuam ocorrendo de forma flagrante e escandalosa em determinadas regiões do país”, ressalta Marta.
Para a produção do livro, as autoras tiveram acesso a importantes acervos de pesquisa e centros de memória, contando com a colaboração de diversos pesquisadores de destaque no cenário nacional. Uma base importante para o trabalho foram os registros escritos e audiovisuais do Projeto Memória Camponesa, coordenado pelo prof. Moacir Palmeira e conduzido no âmbito do Núcleo de Antropologia da Política do Museu Nacional (NuAP/MN/UFRJ), com apoio do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural  do MDA (NEAD). O Projeto Memória Camponesa realizou diversos seminários e encontros nos estados brasileiros, em parceria com universidades e entidades sindicais, e guarda depoimentos de vários líderes sindicais e de trabalhadores. Acervos de outras universidades também foram consultados e, além disso, aqueles criados pelos próprios trabalhadores e líderes locais em lugares que foram palcos de antigos conflitos, tais como Sapé (PB), Brotas de Macaúbas (BA) e Trombas e Formoso (GO).
As autoras também fizeram viagens de campo a São Paulo, a Pernambuco, ao Ceará, ao Distrito Federal e a Goiás. Foram feitas cerca de 15 entrevistas com líderes sindicais e com assessores de entidades e, adicionalmente, a investigação do tema se baseou em filmes, livros acadêmicos e jornalísticos, produções audiovisuais e transcrições de depoimentos colhidos em projetos diversos.
O livro Retrato da repressão política no campo está disponível para download gratuito no Portal NEAD

sábado, 29 de janeiro de 2011

Retratos de Quebradeiras


30 fotografias em preto e branco, exibem rostos e pés de homens, mulheres e crianças que compõe a massa de trabalhadores e trabalhadoras rurais, do universo de quebradeiras de babaçu. A mostra, está ornamentando a festa dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, sócias do STTR de Imperatriz, que hoje congratulam-se em mais um anivérsaio da significativa entidade de trabalhadores.

Festa do POVO DA ROÇA, VIVA!

João Palmeira Filho, o Palmeirinha (filho do primeiro presidente - João Palmeira e Manoel da Conceição - Liderança camponesa do Maranhão.

Hoje é dia de festa, aliás FESTANÇA,  o STTR – Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Imperatriz, festeja juntamente com seus sócios 44 anos de existência. O encontro festivo acontece em sede própria, Rua João Lisboa, Centro. A luta, as conquistas, os dirigentes serão lembrados hoje por todos os presente. Dos presidentes sindicais de Imperatriz, a quebradeira de coco, Maria Querubina destaca-se por ser única mulher a ocupar essa cadeira.
O ex-deputado estadual Valdinar Barros, é também uma importante figura no esquadrinhar desse movimento. Haja vista que todo a sua escola de vida se deu nos bancos desse movimento.
Outro líder camponês que contribui consideravelmente para a reestruturação politica do Sindicato é Manoel da Conceição. O Mané que sempre relembra que o STTR também já teve seus dias de” peleguimos”

Somente para relembrar um pouco do histórico:

Na região Oeste maranhense o STTR, nos idos anos da década de 60, mais precisamente no dia 29 de Janeiro de 1967.  Fundou-se o STTR – da grande região da tocantina, com sede em Imperatriz. Caminhando lado a lado com as outras organizações camponesas na peleja de posse da terra para os trabalhadores das regiões sul e oeste do Estado do Maranhão. Desempenhando assim uma das suas finalidades: “A construção da solidariedade, pois é somente na união e na organização que os grupos organizados poderão garantir seus direitos e estabelecer relações de justiça e igualdade (GUARESCHI, 2006, p 129)”. 
Nos registros históricos da constituição do STTR de Imperatriz, exalta-se a contribuição política de um migrante paraibano o Sr: João Palmeira Sobrinho. Juntando-se a outros companheiros irmanados pela mesma idéia de resistência aos conflitos existente no campo, totalizando uma coletividade de 93 lavradores. Atualmente ainda é possível encontrar sócios fundadores que contam a sua história inicial.
Vale salientar que, o sindicalista João Palmeira, “foi morto em uma emboscada juntamente com um companheiro no dia 08 de janeiro de 1975, numa fazenda chamada Rio do Sono na região de Buriticupu” (Documento intitulado: A HISTÓRIA DE NOSSO SINDICATO). O objetivo com o assassinato dessa e de outras lideranças camponesas não chegou a ser alcançado, por seus algozes, haja vista que o sindicato de Imperatriz, nunca fechou as suas portas e cada vez mais emerge novas lideranças que abonam a continuidade da luta. O exemplo disso é a grande festa durante todo o dia de hoje, que pode ser conferida. Parabéns trabalhadores e trabalhadoras Rurais de Imperatriz.

Texto de Babaçu
Foto de Maria José Barros

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Os melhores presentes






Já faz algum tempo que conheço Vanusa, precisamente em 2001, no ano de 2008 tive a oportunidade de trabalhar com ela na Casa Familiar Rural de Coquelândia, lá conheci uma Vanusa sensível com os problemas sociais vividos pelos  homens e mulheres da estrada do arroz, ali realizou um trabalho de relevância com os jovens estudantes daquela localidade e com as quebradeiras de coco babaçu. Nas idas e vindas na vida cotidiana dos meninos, dos professores conheci uma paixão que ela carregava que era fotografar, registrar as dificuldades, alegrias e expressões das pessoas daquela comunidade, as fotos traziam muito mais que imagens, não precisavam de legendas, era o ônibus quebrado, a poeira, a forma rústica que vive parte das pessoas daquela comunidade a simplicidade e resistência daquela gente. Com uma câmera simples na mão e um olhar artístico que surge, da mesma forma que surgem os babaçuais de nosso estado ela segue fotografando pés e estradas.... O cenário é a vida.

Um abraço do amigo Marcio Mosiel.
  

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O FENOMENO DAS MONOCULTURAS E O FENOMENO DO TRABALHO NO BAIXO PARNAIBA MARANHENSE








As vidas dos trabalhadores agroextrativistas do estado do Maranhão se acercam de solicitudes, apreços e afagos provenientes dos imprevistos que vez ou outra atendem a um desígnio fatal como se a falta de previsão e de provisão risse a toa sobre o futuro alimentar, futuro energético e futuro ambiental da sociedade para o puro deleite das monoculturas de eucalipto, soja e cana.
As monoculturas incidem diretamente sobre as realidades socioeconômicas de uma região sem que isso corresponda a uma mudança significativa nos desígnios hierárquicos a que se submetem os setores menos favorecidos da sociedade.
Isso acontece porque o fenômeno das monoculturas se localiza no extremo da vida econômica e social de uma comunidade que é o ramal da produção enquanto que o ramal do trabalho é ignorado pelas fontes de financiamento dessas monoculturas. Elas refratam quaisquer tipos de crítica que burilem a História em seus aspectos menos óbvios, os quais pouco se observam na análise do fenômeno das monoculturas.
Congratula-se as monoculturas o tempo todo em tudo o quanto, principalmente, por elas representarem a modernidade nesse momento da vida econômica e social. Essa faceta sobeja recursos econômicos, sociais e tecnológicos o que ganha pontos perante parte da população, afinal quem quer fica pra trás quando se vê a maioria aderindo ou quando se vê o futuro bem a frente? Quanto de recursos econômicos os bancos emprestaram ou entregaram de mãos beijadas para os plantios de monoculturas? Que bancos e que fontes foram e são esses? Por quais caminhos esses recursos trilharam até atenderem os seus respectivos projetos?
A história moderna do capitalismo é a história da organização, reorganização e da desorganização do trabalho a partir da ótica da produção. Para o capitalismo, torna-se imprescindível a desorganização do trabalho como forma positiva de segmentos da sociedade gerarem suas próprias riquezas e seu bem-estar porque dessa forma o que for gerado de riqueza não se voltará mais para o bem-estar da sociedade como um todo e sim para o consumo individual de bens supérfluos que contribuem para a alienação do individuo dentro do sistema. Cada vez mais alienado, o individuo produz e consome qualquer produto sem se tocar para o seu destino ou sem se tocar para sua procedência.
Afora as suas façanhas que se notabilizaram como conquistas da humanidade, o capitalismo se esmerou em apagar as pistas dos seus procedimentos ao mascarar a sua perda de criatividade no campo da produção. Quase sempre, o capitalismo obteve sucesso nesse desenlace. O sistema recompensa a criatividade na produção e recompensa a produção da criatividade como seus atributos indissociáveis desde que a criatividade e a produção estagnem no seu campo de atuação porque ao estagnarem o capitalismo renova seus votos de pleno afeto e de plena confiança em relação aos que produzem e aos que consomem. A culpa da estagnação não é do sistema e sim das pessoas, do seu modo de vida e do seu modo de pensar. A culpa enseja nas pessoas o clímax da produção e da criatividade.
As comunidades da Santana, do Ingá e de São Felipe, município de Urbano Santos, Baixo Parnaiba maranhense, escutaram muito que seus modos de vida e de pensar envelheceram num mundo tão dinâmico. A Suzano, além de desmatar o Cerrado e plantar eucalipto em quase mil hectares, acomete os trabalhadores rurais dos povoados com projetos de plantarem suas roças em pouco espaço físico. A empresa quer que os trabalhadores rurais encampem a dadivosa idéia na qual agricultura familiar convive na boa com plantios de eucalipto em larga escala. Na modalidade de assessoria praticada pela Suzano, os agricultores suplantam séculos e séculos de roça no toco e de extrativismo de frutas com um projeto de horta comunitária. Como se vê a Suzano, em menos de um ano, arrebatou completamente o campo trabalho de três comunidades agroextrativistas de Urbano Santos para seu projeto de plantios de eucalipto em todo o Baixo Parnaiba e para toda a população da região alardeia a vinda de uma fábrica ou para Chapadinha ou para Santa Quitéria. Essa fábrica forneceria pequenos bloquetes de madeira para a Europa que os transformaria em energia térmica a fim de afugentar o uso do carvão mineral em suas casas durante o inverno.


MAYRON RÉGIS

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Vida em COLETIVO





BRASIL


Coco Redondo!???

Sim!!!!!

Belas paisagens de antigos babaçuais da região da Estrada do Arroz.

Coco redondo, sim.
Uma espécie de babaçuais frequente nesta região das terras de cocais. Deram-te o nome.

No meio do longe, empoeirado!

Está lá fincada, nossa agora "Coquelandia"

Os que agora  nascem por cá, nem te lembram como Coco Redondo, agora tens status citadino!

Status? Só de nome!

Continuas campesina como antes.

Mesmo quando teus jovens se exibem em calças de muitos bolsos.

Geograficamente nada mudou! Nada mudou? Minto agora.

Teus babaçuais, transformam-se em fileiras certinhas de eucaliptos!

Teu inicio? Lá nos meados do século passado.

Teu povo? Ah! teu povo, povo tranquilo, povo feliz!

Povo de Coco Redondo, povo de Coquelandia!

Antigo, Coco Redondo de muitas Quebradeiras de coco babaçu.

Nova, Coquelandia de poucas Quebradeiras de coco babaçu!

Coco Redondo de carbonizadores de coco inteiro, para esquentar fornos do progresso.

Coco Redondo de cocos agora não tão redondos, nem tão fartos.

Coco Redondo de tempos saudosos!



Coquelandia, antes conhecida como coco redondo, é uma das 14 comunidades rurais encravadas ao longo da “VELHA ESTRADA DO ARROZ” Estrada de chão batido que interliga os municípios de Imperatriz e Cidelândia, no inverno lama no verão nuvem de poeiras cobre e colore pele e cabelo dos seus caminhantes.

 Muito da modernidade já chegou á essas comunidades, no entanto a forma de trabalhar para muitos ainda sucede de  forma bem tradicional, é o caso da quebra de coco babaçu, atividade que ocupa muito do tempo das mulheres e ajudam no sustento das famílias daquelas localidades. Alcançar o babaçu tem ficado cada vez mais difícil, haja vista que outras culturas vêm se integrando a essa região que já foi destaque na economia nacional como uma das maiores produtoras de arroz, o que justifica inclusive a alcunha que a estrada recebeu. Atualmente se fossemos dar outro nome, caberia a meu ver: ESTRADA DO ESQUECIMENTO. O asfaltamento dos seus 76 km é um sonho de todos que trafegam diariamente por essa via.

 A complementação da renda através da quebra do babaçu induz á essas mulheres que se organizem em pequenos grupos para adentrarem as matas dos cocais, que sempre ofereceu perigos e estando em coletivos ajudam-se mutuamente. Partilhando desde suas alegrias a todas as mazelas sofridas no dia-a-dia. Essa vida coletiva, partilhada se transpõe dos cocais á vida social: A igreja, escola, festividades na comunidade, relações de compadrios, entre outros.

Na comunidade de Coquelândia, resiste um grupo de mulheres, algumas ligadas por laços consanguíneos, outras só a relação de camaradagem, vizinhança. São quebradeiras de coco babaçu, tradicionais juntam-se em grupo, adentram as matas de cocais, juntam o coco, quebram, fazem carvão das cascas, tudo partilhado solidariamente.

Brasil Local em Coquelandia

No entanto, quando são indagadas sobre Economia Solidaria, as respostas são as mais variadas, incluindo aquelas que respondem nunca terem ouvido falar no assunto.  É desse pressuposto, que a presença do Brasil Local, faz-se necessário para acompanhar o referido grupo de mulheres esclarecendo sobre essa forma de fazer economia, que as mesmas já fazem, mesmo sem terem noção de que isso é sim economia solidaria e qual sua importância para a permanência e sobrevivência do coletivo em meio a um cenário econômico tão restrito no Brasil, onde muitos estão a serviço de poucos, e o fazem por não terem conhecimentos de possíveis alternativas.

Nas oficinas é perceptível que as mulheres estão curiosas, participativas, questionadoras, elementos que contribuem significativamente para uma dinâmica que resultará  engajamento social de todas e quem sabe juntas encontrarem reposta para a construção de um modelo próprio de fortalecimento e  resistência  do modo de viver, de pensar e de agir dessas pessoas que o que sonham é conservar-se em seus lugares de origem, e serem respeitadas e valorizadas como cidadãs com deveres a cumprir e sobretudo com direitos a serem respeitados.

O caminho para Samarra


Por Leonardo Boff

 

Um soldado da antiga Bassora, na Mesopotânia, cheio de medo, foi ao rei e lhe disse:"Meu Senhor, salva-me, ajuda-me a fugir daqui; estava na praça do mercado e encontrei a Morte vestida toda de preto que me mirou com um olhar mortal; empresta-me seu cavalo real para que possa correr depressa para Samarra que fica longe daqui; temo por minha vida se ficar na cidade". O rei fez-lhe a vontade. Mais tarde o rei encontrou a Morte na rua e lhe disse:" O meu soldado estava apavorado; contou-me que te encontrou e que tu o olhavas de forma estranhíssima". "Oh não", respondeu a Morte, "o meu olhar era apenas de estupefação, pois me perguntava como esse homem iria chegar a Samarra que fica tão longe daqui, porque o esperava esta noite lá".
Essa estória é uma parábola da aceleração do crescimento feito à custa da devastação da natureza e da exclusão das grandes maiorias. Ele nos está levando para Samarra. Em outras palavras: temos pouquíssimo tempo à disposição para entender o caos no sistema-Terra e tomar as medidas necessárias antes que ela desencadeie consequências irreversíveis. Já sabemos que não podemos mais evitar o aquecimento global, apenas impedir que seja catastrófico. A nivel dos governos, não se está fazendo nada de realmente significativo que responda à gravidade do desafio. Muitos crêem na capacidade mágica da tecnociência: no momento decisivo ela seria capaz de sustar os efeitos destrutivos. Mas a coisa não é bem assim. Há danos que uma vez ocorridos produzem um efeito avalanche.
A natureza no campo físico-químico e mesmo as doenças humanas nos servem de exemplo. Uma vez desencadeada, não se pode mais bloquear uma explosão nuclear. Rompidos os diques de Nova Orleães nos USA, não é mais possível frear a invasão do mar. Na maioria das doenças humanas ocorre a mesma lógica. O abuso de álcool e de fumo, o excesso na alimentação e a vida sedentária começam a princípio produzindo efeitos sem maior significação. Mas o organismo lentamente vai acumulando modificações, primeiramente funcionais, depois orgânicas e, por fim, atingindo certo patamar, surge uma doença não mais reversível.
É o que está ocorrendo com a Terra. A "colonia" humana em relação ao organismo Terra está se comportando como um grupo de células que, num dado momento, começa a se replicar caoticamente, a invadir os tecidos circundantes, a produzir substâncias tóxicas que acaba por envenenar todo o organismo. Nós fizemos isso, ocupando 83% do planeta. O sistema econômico e produtivo se desenvolveu já há três séculos sem tomar em conta sua compatibilidade com o sistema ecológico. Hoje nos damos conta de que ecologia e modo industrialista de produção que implica o saque desertificante da natureza são contraditórios. Ou mudamos ou chegaremos à a Samarra, onde nos espera algo sinistro.
A Terra como um todo é a fronteira. Ela coloca em crise os atuais modos de produção que sacrificam o capital natural e as formações sociais construídas sobre o consumismo, o desperdício, o mau trato dos rejeitos e a exclusão social. Três problemas básicos nos afligem: a alimentação que inclui a água potável, as fontes de energia e a superpopulação. Para cada um destes problemas não temos soluções globais à vista. E o tempo do relógio corre contra nós. Agora é o momento de crise coletiva que nos obriga a pensar, a madurar e a tomar decisões de vida ou de morte.
 
Associação Civil Alternativa Terrazul,
Rua Goiás No 621. Bairro: Pan-Americano. Cep: 60441000 Fortaleza - Ceará - Brasil

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

A invenção do cotidiano

A improvisação de Carlitos
Elias Thomé Saliba
A invenção do cotidiano
Michael de Certeau
Tradução: Ephraim Ferreira Alves
Vozes, 351 págs.

A vida cotidiana, no seu misto de inércia e rotina, nunca constituiu um tema muito nobre para as ciências humanas, nem fundou uma escola de historiadores ou cientistas sociais. Foi só através de um intenso exercício de inquietação crítica, que rejeitava grandes teorias sociais e construções abstratas, que o tema do cotidiano foi ganhando espaço nas ciências humanas nos últimos dez anos. Exercício de reflexão estimulado pelas próprias experiências históricas mais recentes, nas quais a cultura passou a ser celebrada como motivadora de significativas transformações sociais.
Publicado originalmente em 1980, "A Invenção do Cotidiano", de Michel de Certeau, é um livro pioneiro nesse exercício de desvendar as práticas culturais contemporâneas, vistas aí, não mais do ângulo elitista da razão técnica e produtivista, mas pelo lado mais fraco da produção cultural: o da recepção anônima, da cultura ordinária, da criatividade das pessoas comuns.
Para além de certa vertigem populista, por aí já se vê que estamos diante de um livro difícil que não se contenta em definir, ingenuamente, o popular através do povo e/ou vice-versa. Profundamente insatisfeito com as teorias sociais, que pintam o quadro de uma sociedade estruturada em papéis abstratos e estereótipos, Certeau procura esboçar uma teoria das práticas cotidianas e identificar uma espécie de lógica operatória nas culturas populares. Lógica do avesso e da teimosia, fundada quase que apenas no real, pois recusa a escrita como espaço da dominação e do controle; lógica do informal, porque utiliza suas táticas conforme as estratégias dos outros; lógica do instável, porque, sem qualquer ponto de ancoragem emocional busca, afinal, a própria sobrevivência.
Lógica que é muito mais uma "arte de fazer", pois as experiências do homem ordinário não se deixam aprisionar pela linguagem escrita: quer se trate da voz do selvagem, dos primeiros relatos etnográficos, do ato de assistir TV ou de enveredar pelas inesperadas ruas das grandes cidades. Certeau quer buscar uma lógica cujos modelos remontam talvez às astúcias multimilenares dos peixes disfarçados ou dos insetos camuflados e que, em todo caso, é ocultada por uma racionalidade hoje dominante no Ocidente. Por isso, busca exemplos em tradições, provérbios e atitudes que a cientificidade do Ocidente ocultou: a "Arte da Guerra" de Sun Tze, da tradição chinesa; ou o "Livro das Astúcias", da tradição árabe.
Mas encontra "artes de fazer" em todas as sociedades: cita episódios relacionados às gestas de Frei Damião, no Brasil; episódios de "Robinson Crusoé" ou, até, do impagável Carlitos, de Chaplin. Com seu bigodinho e andar de pato, Carlitos tece a rede de uma antidisciplina: rejeita destinos prévios e trajetórias previsíveis, e resiste, com a leveza do lúdico, a toda situação opressiva. Na improvisação sem limites, Carlitos rejeita toda mecanização, procura sempre contornar a dificuldade em vez de resolvê-la e, nesta sua não-aderência às coisas e aos acontecimentos, parece revelar-nos que os objetos de nossa cultura se inscrevem no vazio, não têm qualquer futuro, a não ser fora do sentido que a sociedade lhes atribui.
Por que na cultura, a eficácia da produção teria que produzir necessariamente uma eficácia no consumo? Demontando a suposta passividade do leitor-consumidor, Certeau nos oferece páginas luminosas sobre a atividade da leitura. Mais que mera submissão ao mecanismo textual -do livro, do espetáculo ou de qualquer outro produto cultural-, a leitura é um "ato de espreitamento", uma viagem de nômade, sem paradas obrigatórias: o telespectador lê a paisagem de sua infância na reportagem de atualidades, pois ler "é constituir uma cena secreta", lugar onde se entra e se sai à vontade; é criar cantos de sombra e de noite numa existência submetida à transparência tecnocrátrica. Ou, como concluiu poeticamente Marguerite Duras: "Talvez se leia sempre no escuro... a leitura depende da escuridão da noite. Mesmo que se leia em pleno dia, fora, faz-se noite em redor do livro".
Nem o marxismo, nem as concepções liberais, com suas ambições totalizantes, foram capazes de perceber na vida cotidiana este espaço de gestação de processos alternativos, de esperteza e de inventividade, que se forjava à revelia dos cerrados processos de hegemonia e dominação na modernidade. Certeau faz verdadeiros malabarismos teóricos para se equilibrar entre Freud, Foucault e Bourdieu, mas parece encontrar inspiração nos inquietantes fragmentos de Wittgenstein. Talvez porque o historiador saiba, como o "homem ordinário" de Wittgenstein, que a página em branco é um lugar desenfeitiçado das ambiguidades do mundo e que as narrativas do cotidiano estão mais próximas da intensidade da vida real.
ELIAS THOMÉ SALIBA é professor de teoria da história do departamento de história da USP, autor de "Utopias Românticas

Folha de São Paulo