Na trilha de Lampião
sex, 23/07/10
por alternativo |
Por André Sales
O vento ardente do Sertão ainda oscila sobre as folhas secas resistentes da mata branca. Será que os talos ainda crepitam sob o sol forte? Será que os sertanejos nordestinos ainda sentem um friozinho no espinhaço quando ouvem os versos: “Olê, mulher rendeira/ Olé, mulher rendá/ Tu me ensina a fazer renda/ Que eu te ensino a namorá…”, que fizeram a cidade de Mossoró tremer, certa vez, com uma invasão de uma milícia armada?
A letra e melodia simples e alegres dessa canção tão conhecida em todo o país e, principalmente, no meio do Nordeste, em seu deserto natural, palco de grandes acontecimentos, de mitos perdidos, de uma fé prostrada a Deus, ao tempo e ao clima e à violência, compunham o hino de guerra de um dos mais legendários personagens da história brasileira: Virgulino Ferreira da Silva, o “Senhor do Sertão”, o “Rei do Cangaço”, odiado ou querido, algoz e herói, desgraçado e bandido, santo ou atroz, facínora ou líder.
Em busca dos resquícios da passagem de Lampião por sete estados do Nordeste, o fotógrafo maranhense Márcio Vasconcelos empreitará uma campanha verdadeiramente antropológica ao realizar, até o fim deste ano, o projeto “Na Trilha do Cangaço – Um ensaio fotográfico pelo Sertão que Lampião pisou”, recentemente agraciado com o XI Prêmio Marc Ferrez de Fotografia, financiado pela Fundação Nacional das Artes (Funarte), do Ministério da Cultura.
Inspirado no livro da autora francesa Elize Jasmin e nas históricas fotografias de Virgulino Ferreira, sua Maria Bonita e seu cangaço, captadas pelo mascate e cineasta Benjamin Abrahão, que vasculhou todo o Sertão no início da década de 1930, em busca do cangaceiro para fotografá-lo e filmá-lo, Márcio Vasconcelos buscará o que ainda resta do mito para transformá-lo em imagens. “A intenção é identificar e traçar essa trilha. É um projeto que eu já penso há muito tempo. Pretendo passar mais ou menos uns dois meses dentro da trilha que Lampião fez pelo Sertão, conversando com vaqueiros, com personagens daquele ambiente, com coiteiros [pessoas que ajudavam cangaceiros, dando-lhes provisões]”, afirma o fotógrafo maranhense.
Quando gravou o único documentário sobre o Lampião, Abrahão já havia montado um vasto acervo de imagens, que ajudaram a difundir o mito do “Rei do Cangaço”, por meio da publicação em jornal, o que chegou a questionar e a fazer o Governo Federal sentir ameaçado. A presença de uma milícia em levante contra a ordem instituída pela Lei, em um ambiente esquecido, no qual a violência era usada como barganha e para saldar a honra, pressionava a vontade política.
Percurso – O fotógrafo retratará os cenários da caatinga, por onde os cangaceiros se enveredavam, em seu modo de vida rústico, sempre ligado às questões de honra, da vingança. Márcio Vasconcelos passará por cidades pernambucanas, cearenses, sergipanas, alagoanas, baianas, como Serra Talhada (Antiga Vila Bela, local de nascimento de Virgulino Ferreira), São José do Egito, Canindé do São Francisco, Triunfo e Juazeiro do Norte. Em 1926, a conhecida Meca do Sertão, no Ceará, aclamou Lampião e 45 de seus companheiros, em uma entrada triunfal, que teria mobilizado cerca de 4 mil pessoas, que assistiram ao encontro entre Padre Cícero e Virgulino.
Com o resultado do trabalho de Márcio Vasconcelos, serão montadas duas exposições permanentes a serem instaladas no Museu do Cangaço, em Triunfo (PE), e no Memorial de Lampião, em São Francisco de Canindé (SE). No fim de sua peregrinação, o fotógrafo quer montar uma publicação com o material coletado.
O fotógrafo
Márcio Vasconcelos é conhecido por ter um trabalho artístico, que já resultou em diversas exposições. Um de seus mais recentes trabalhos foi compilado no livro “Nagon Abionton – um estudo fotográfico e histórico sobre a Casa de Nagô”.
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